Em nossa sociedade, existem pessoas que vivem sem dignidade e sem higiene, sem casa e sem comida, que são obrigadas a dormir em bancos de praça e, ainda por cima, os deixam todos emporcalhados. Isso é um problema, ninguém nega. Mas, acredite se quiser, tem gente que observa essa situação… e acha que o problema é o banco emporcalhado e a praça vandalizada!
Que a solução é ir lá, gradear a praça, expulsar os mendigos e tomar deles até essa camas improvisadas!
Por quantos mendigos você passou hoje?
Qual é o real problema?
Se existem pessoas dormindo em bancos de praça, o problema é justamente existirem pessoas dormindo em bancos de praça.
O papel do Estado não é ir lá e proteger os pobres bancos de praça desses meliantes porcalhões, mas sim proteger essas pessoas, que são tão cidadãos quanto eu e você, das vicissitudes da vida: descobrir as causas de seus problemas, tentar resolver, oferecer um prato de comida, uma cama limpa, uma chuveirada.
Sim. Eu entendo que é chato você querer sentar pra ler em um banco da praça, ou seu filho querer brincar com os amiguinhos, e estar tudo emporcalhado, sujo, quebrado. Já passei por isso. Tenho empatia.
Mas você entende que essa sua (nossa) pequena inconveniência não é nada comparada à tragédia de existirem pessoas, tão gente quanto eu e você, que não tem outra opção a não ser dormir em bancos de praça?
Por favor, diz pra mim que você entende essa diferença. Diz pra mim. Por favor.
O Rio de Janeiro, o Globo, o horror
A prefeitura do Rio de Janeiro acabou de inaugurar a reforma da Praça Tiradentes no Centro. A nova versão, para desagrado de muitos cidadãos de bem, não tem mais grades – “o horror! o horror!”. Enquanto isso, a Prefeitura já sinalizou uma disposição de tirar as grades de todas as praças da cidade cujo projeto original não as incluía. (Na década de noventa, grande parte das praças da cidade foram sendo progressivamente gradeadas).
Matéria do jornal O Globo de hoje parece encarar a volta dos mendigos à praça como um problema urbanístico de primeira grandeza. A manchete: “Retirada de grades da Praça Tiradentes e retorno de mendigos reacendem debate sobre estética, lazer e segurança“. Um trecho:
“Apesar da nova iluminação e de um carro com dois guardas municipais fazer a ronda nas imediações, a Praça Tiradentes voltou à velha condição de dormitório público. Três mendigos, aparentemente alcoolizados, dormiam amontoados. Porém, só foram convidados a sair dali quando os agentes municipais perceberam a presença de uma equipe do GLOBO. Os guardas se justificaram dizendo que os moradores de rua acabam voltando. O trio atravessou a praça e conseguiu um cantinho no entorno do Teatro João Caetano, onde duas pessoas já estavam sob a marquise.”
A legenda de uma das fotos, mostrando mendigos já dormindo na nova praça, diz:
“Moradores de rua dormem na Praça Tiradentes, que perdeu grades no último sábado, reacendendo o debate sobre eficácia da medida.” [grifo meu]
Eficácia? Eficácia do quê? Uma praça é pra ser eficaz ou eficiente? Medida? Qual medida? O jornal acha que a decisão de desgradear a praça, trazê-la de volta ao seu projeto original e abri-la ao espaço urbano… é uma medida cuja “eficácia” possa ser mensurada pela quantidade de mendigos que dormem nos bancos? É essa a métrica mais importante? É essa nossa prioridade como sociedade?
Enquanto isso, a nova invenção da Prefeitura de São Paulo são os bancos antimendigo.
Felizmente, o prefeito não pensa assim. Ao ser perguntado por O Globo se as grades voltariam, respondeu:
“Nem que a vaca tussa! Não gosto da perspectiva higienista sobre a população de rua. A gente tem que acolher as pessoas, independentemente se elas dormem na praça ou na rua.”
E, no final, ainda deu essa alfinetada no jornal que, todo carioca sabe, acha que o Rio de Janeiro se resume a meia dúzia de bairros:
“Ele disse ainda que O Globo contribui para restringir a discussão à Zona Sul do Rio.
— Acho o debate muito bom. Mas quero discutir também a Zona Norte, a Praça Patriarca, em Madureira, cheia de gente, viva, em contraponto com a praça da Igreja da Penha, fechada e isolada. Por que ninguém quer discutir a Zona Norte?
O Globo tem jornais de bairros que atendem à preocupação do prefeito, inclusive na Zona Norte.”
Ou seja, para O Globo, existem bairros e bairros – e alguns só merecem a cobertura do jornalzinho local.
Não é sempre não, mas tem dias que gosto muito do prefeito Eduardo Paes.
Para quem quiser saber mais, recomendo o meu artigo “Grades e Gelosias: Avanços e Retrocessos do Espaço Público no Rio de Janeiro“.
Curadoria do PdH com as mais deliciosas mulheres da web, selecionadas a dedo: www.apimentadas.com.br
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