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quinta-feira, setembro 22

O Botafogo e o 11 de Setembro

O Botafogo e o 11 de Setembro:
O Colo-Colo quase impediu o golpe, o Botafogo quase antecipou.

No dia 11 de Setembro de 73, o Chile sofreu um golpe que instaurou a ditadura militar de Augusto Pinochet. O que não se conta muito é que o golpe foi planejado para bem antes naquele ano. O plano era desferir o golpe em abril ou em maio. Mas por que foi só em setembro?

Naquele ano, o Colo-Colo, clube mais popular do país, montou um timaço e com garra ganhava jogo após jogo na Taça Libertadores da América. A campanha comovia o país e acalentava a população diante do turbulento cenário político. Os militares não podiam dar o golpe, enquanto o Colo-Colo disputasse o torneio. Allende resistia nos pés do time de Santiago. Podemos imaginar que o sonho possível da equipe conquistar a Libertadores alimentava o ideal real do socialismo chileno.

Mas os militares tinham um trunfo externo. E não eram ainda os caças dos EUA que bombardearam La Moneda naquela manhã de terça em setembro. Não, a carta na manga dos golpistas era o poderoso time do Botafogo. A equipe alvinegra tinha um esquadrão. Jogadores como Zequinha, Dirceu e Jairzinho compunham o time vice-campeão brasileiro de 72, um dos favoritos daquela Libertadores.

Os dois confrontos válidos pela semi-final ocorreriam com um intervalo de um mês, primeiro no dia 6 de Abril e o segundo no dia 8 de Maio. Armaram o golpe então para os dias 9 e 10 de Maio (data do aniversário de quem escreve). A derrota do Colo-Colo era questão de tempo. Traiçoeiro futebol que destrói o que seria certeza. No primeiro jogo, em uma partida histórica os chilenos derrotam o Fogo em pleno Maracanã por 2x1.

Mesmo assim, a esperança traidora dos militares ilegalistas acreditavam na reação do Botafogo. Afinal, além do timaço, bastava para o Botafogo ganhar por qualquer placar no Chile. E se o Colo-Colo ganhou no Maraca, o Fogo poderia perfeitamente ganhar no Nacional.

O dia 8 de maio de 73, viu um jogo único na história da Libertadores. Os brancos eram comandados pelo bigodudo Carlos Caszely, El Rey de Metro Cuadrado (que aposto fantástico!), o maior jogador da história do clube, e um dos maiores do futebol chileno. Carlos tinha um temperamento rebelde sem papas na língua, uma espécie de Edmundo chileno dos anos 70. O Colo-Colo colocou 2x0 no placar. No final do 1º tempo, o Bota desconta. Mas a vaga na final estava praticamente garantida. O Golpe teria que esperar.

Mas aquele Botafogo não se entregou. Em um segundo tempo arrasador a equipe carioca consegue empatar com Fischer. E aos 40 do segundo tempo, Dirceu encarna Didi e acerta um chute magnífico. O chute a mais de 30 metros, sobe, faz uma curva para a direita na frente do goleiro e descai no ângulo oposto. Um dos gols mais bonitos de todas as Libertadores. Uma virada inesperada, mas possível para o Fogo dos anos 70. Do alto da arquibancada, sorriam os generais “O golpe será desferido a tempo, será na data prevista”.

A “hincha de los blancos” conseguiu no torneio de 73 um feito inédito até então: lotar todos os jogos. Em cada partida na Libertadores, havia pelo menos quarenta mil fanáticos cantando o tempo todo. Não foi diferente na semifinal. O empate do Botafogo não desanimou a torcida, ao contrário, estimulou o canto desesperado. E por esse desejo, por esse sonho o time cresce e, finalmente marca. Caszely é o pé que fez o gol, na verdade aquele gol foi da torcida. Como se soubessem que aquele gol adiaria uma tragédia. Quantas tragédias foram adiadas e evitadas por um gol? É um balanço que os historiadores devem ao mundo.


3x3. Jogo mágico. Colo-Colo classificado, golpe adiado. Não poderia ser mais em Maio, o país estava com o time. A esperança vencedora movia os corações chilenos. Porém, o futebol quando vai além da vida com um pé, com o outro se afunda nela. Não há conto de fadas que resista ao gol, a um chute despretensioso que vira gol. Como na vida, o futebol é justo quando distribui suas injustiças. Após os épicos duelos contra o Botafogo, o Colo-Colo perdeu a final para o Independiente, da Argentina.

Não sem retardar um pouco mais o golpe. Os dois jogos finais terminam empatados, sendo necessário um terceiro jogo em campo neutro no dia 6 de Junho. Impedindo o Estado de Sítio, exigido pelos militares em 2 de junho. Nesse jogo, disputado em Montevideo, o Colo-Colo perdeu. O sonho acabou. Poucas semanas depois começaria o pesadelo da ditadura. Para quem sabe que o futebol é uma das poucas comprovadamente coisas mágicas do mundo, é certo que um título do Colo-Colo impediria o golpe. A conquista dos Brancos mostraria ao povo chileno que realizações impossíveis eram tangíveis. O Colo-Colo campeão daria a gente do Chile, a certeza que nada é inalcançável, incluindo sua ânsia por igualdade e dignidade. Para o bem e para o mal, o futebol é tão cruel quanto à vida. Fica um alento para os cariocas: o Botafogo fez sua parte. Perdendo.

Fonte primária: As Histórias Secretas de Futbol Chileno.

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